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O protagonismo da inteligência artificial no combate à covid-19

Com base nos dados, os modelos de IA dão suporte para decisões médicas, agregando velocidade e precisão, dois elementos valiosos numa crise dessa dimensão


DORA KAUFMAN*





Um Graffiti em Hong Kong vaticina "Não podemos voltar ao normal, porque o que era normal era exatamente o problema”. A covid-19 escancarou as deficiências do mundo, a desigualdade se tornou assustadoramente visível colocando a sociedade diante de vários dilemas. Ainda é cedo para prever como será o mundo pós coronavírus, qual será o grau e a extensão dos impactos na economia, na sociedade e na vida dos indivíduos. Provavelmente, não transitaremos pelos espaços públicos com a mesma desenvoltura anterior a epidemia.

A ciência está em alta, principalmente a ciência apoiada nas tecnologias digitais. Nesse cenário, destaca-se o protagonismo da inteligência artificial (IA); seus algoritmos são treinados para entender as “regras" tornando-se aptos à realizar previsões com maior velocidade e acurácia. A eficiência dos modelos depende da quantidade e qualidade dos dados de treinamento; no combate à covid-19, proliferam iniciativas para compor e disponibilizar grandes bases de dados. O propósito é identificar padrões não visíveis, indício, dentre outros eventos, da probabilidade de contaminação.


A China e a Coreia do Sul utilizam tecnologias de rastreamento para identificar pacientes contaminados, adotadas posteriormente em vários países. Nos EUA, pesquisadores do MIT (Massachusetts Institute of Technology) desenvolveram uma tecnologia de rastreamento de infectados pela covid-19 por meio do celular. O aplicativo “Private Kit" mapeia os contatos pessoais entre os usuários (“rastreamento de contatos”) visando antecipar potenciais áreas de contaminação.

Para preservar a privacidade, os dados coletados são anonimizados impossibilitando a individualização (o rastreamento é realizado sem o conhecimento ou permissão explícita do usuário). A equipe do MIT está em negociação com a OMS (Organização Mundial da Saúde) e com o Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos EUA; o desafio é conquistar ampla adesão, acumulando uma extensa base de dados (um dos caminhos é através de alianças, a primeira foi firmada com a Clínica Mayo). O projeto do MIT ganhou a adesão de engenheiros do Facebook (doação de tempo gratuito). Em paralelo, o Facebook e o Google estão cooperando com uma força-tarefa da Casa Branca na análise de outras tecnologias de rastreamento e localização para mitigar a epidemia.


Os sistemas inteligentes são igualmente úteis em processos de triagem para (a) estimar o número de leitos necessários nos hospitais, (b) avaliar a prioridade de pacientes em Unidade de Terapia Intensiva (UTI), e (c) determinar a priorização de pacientes na UTI para o uso de aparelhos de ventilação pulmonar.

Com base nos dados, os modelos de IA dão suporte para decisões médicas, agregando velocidade e precisão, dois elementos valiosos numa crise dessa dimensão. Outra aplicabilidade da IA relacionada ao covid-19 são os robôs autônomos, treinados para executar tarefas específicas nos centros de saúde tais como (a) desinfectar áreas e (b) entregar materiais e medicamentos.

No Brasil, como no mundo, instituições e profissionais de saúde estão colaborando no enfrentamento da epidemia. Um consórcio, por exemplo, formado por hospitais, grupos de saúde e empresas de tecnologia, com a participação do Hospital das Clínicas de São Paulo, está testando um algoritmo de IA para diagnóstico com base na análise de imagens de tomografia de pulmão; um grupo de 450 radiologistas brasileiros, de instituições públicas e privadas, se organizou para compartilhar informações sobre IA.

Pesquisadores do Hospital Renmin da Universidade de Wuhan, da Wuhan EndoAngel Medical Technology Company e da Universidade de Geociências da China anunciaram um modelo de IA para detectar o vírus com 95% de precisão. A startup canadense DarwinAI e pesquisadores da Universidade de Waterloo desenvolveram a covid-Net de código aberto, uma rede neural convolucional criada para detectar a covid-19 em imagens de raios-x (Fonte: VentureBeat).


O Kaggle — comunidade online decientistas de dados, fundada em 2010 e adquirida pelo Google em 2017 — propôs um desafio em torno de 10 questões-chave relacionadas aocoronavírus, incluindo perguntas sobre fatores de risco e tratamentos que não envolvem medicamentos, propriedades genéticas do vírus e esforços para desenvolver vacinas. Participam do projeto a Chan Zuckerberg Iniciative (instituição fundada por Mark Zuckerberg e Priscilla Chan com foco em projetos sociais) e o Centro de Segurança e Tecnologias Emergentes da Universidade de Georgetown (Fonte: Wired).


A comunidade científica mundo afora tem produzido uma quantidade inédita de artigos; desde dezembro, foram publicados mais de 2.000 artigos sobre a covid-19. O Processamento de Linguagem Natural (NLP - Natural Linguagem Processing), subárea da IA voltada à compreensão automática da linguagem humana, permite ler artigos científicos e extrair informações úteis em quantidade e velocidade inalcançáveis pelo ser humano, mantendo atualizados os profissionais da saúde e, consequentemente, acelerando a descoberta de tratamentos e/ou fatores de riscos desconhecidos. A canadense CiteNet, em face da covid-19, abriu seu sistema de consulta ao público, disponibilizando sua base de dados, continuamente atualizada, de pesquisas e literatura científica.

O enfrentamento de epidemias por meio de análise de dados não é novidade; a primeira experiência em larga escola ocorreu em fevereiro de 2008, quando os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (Centers for Disease Control and Prevention) identificaram um crescimento de casos de gripe no leste dos EUA; na ocasião, o Google declarou ter detectado um aumento nas consultas sobre os sintomas da gripe duas semanas antes do lançamento do relatório. A partir dessa experiência, sua unidade filantrópica criou um sistema de alerta, o “Google Flu Trends”. A metodologia estabeleceu correlações entre a frequência de digitalização de certos termos de busca no Google e a disseminação da gripe ao longo do tempo e espaço, identificando regiões específicas em tempo real.


No caso da epidemia da covid-19, o primeiro alerta veio da canadense BlueDot, em 31 de dezembro de 2019, quando detectou um nova forma de doença respiratória na região do mercado de Wuhan, na China (nove dias antes do primeiro comunicado da OMS - Organização Mundial da Saúde). Por meio de análise avançada de dados com tecnologias de IA (varrendo milhares de fontes: documentos de autoridades, publicações médicas, relatórios climáticos, cerca de 100 mil jornais por dia em 65 idiomas, postagens em redes sociais), seu software de risco identifica potenciais ameaças de doenças infecciosas capacitando governos, profissionais e empresas da área de salde; suas soluções rastreiam, contextualizam e antecipam riscos de epidemias.

A Missão OMS-China, num relatório de 40 páginas divulgado em março, documentou a relevância do Big Data e da IA na estratégia chinesa, particularmente no rastreamento de contatos para monitorar a propagação da contaminação, e no gerenciamento de populações prioritárias (idosos e/ou chineses com doenças prévias de risco).

A covid-19 transformou nosso cotidiano num filme de ficção científica; a devastação social não permite ver “o lado bom” da epidemia, mas é certo que teremos significativos avanços no campo da inteligência artificial, com novas descobertas e novas aplicações.



*Dora Kaufman é pós-doutora COPPE-UFRJ (2017) e TIDD PUC-SP (2019), doutora ECA-USP com período na Université Paris – Sorbonne IV. Autora dos livros “O Despertar de Gulliver: os desafios das empresas nas redes digitais” (2017), e “A inteligência artificial irá suplantar a inteligência humana?” (2019). Professora convidada da FDC e professora PUC-SP.


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